Em casa, no escritório, em qualquer lugar: o local onde se trabalha afeta a inovação? Entenda

Cada vez mais polarizadas, as discussões sobre formatos de trabalho serão decisivas para atrair e engajar profissionais capazes de acelerar a inovação das empresas. O desafio: encontrar modelos que ofereçam liberdade sem comprometer a cultura organizacional

 

Profissional trabalha em cafeteria. Foto: Getty Images.

 

Passada a era do encantamento com o home office, quando muitas empresas acreditavam em um mundo formado por talentos globais interconectados, uma parcela significativa das lideranças corporativas parece inclinada a retomar formatos de colaboração mais tradicionais.

O retorno ao escritório ganhou destaque com os recentes anúncios feitos por companhias como Amazon, Dell e Salesforce, que convocaram funcionários de todo o mundo a retomar as atividades 100% presenciais ou procurar outro emprego.

Até mesmo o Zoom, um dos ícones do trabalho remoto durante a pandemia, declarou a volta de suas equipes em pelo menos dois dias por semana.

Entre o remoto, híbrido e o presencial, o debate vem despertando opiniões polarizadas e ganhando até mesmo contornos políticos, em alguns casos.

As principais divergências giram em torno da preservação da cultura organizacional e da capacidade de inovação de equipes remotas.

“Agir como uma grande startup e inovar constantemente são alguns de nossos maiores diferenciais. A decisão de voltar ao escritório foi baseada na necessidade de fortalecer e manter essa cultura viva”, afirma Fábio Filho, head de Treinamento e Certificação da Amazon Web Services (AWS), núcleo de serviços de nuvem da Amazon, que, seguindo a diretriz global da big tech, determinou a volta aos escritórios brasileiros até o início de janeiro.

Para Marcelo Nóbrega, mentor e conselheiro de HRTechs, a qualidade das trocas e as interações espontâneas estão no centro das decisões dessas corporações.

“Muitas empresas compreenderam que o processo de inovação se faz na troca contínua da equipe, seja na conversa do café, seja em reuniões para desenvolver um projeto. A interação por vídeo é unidimensional e feita apenas com poucos colegas e gestores diretos. A redução das interações faz com que boa parte desse potencial criativo se perca,” afirma Nóbrega.

Essa visão vem sendo apoiada por executivos como Ralf Germer, CEO da PagBrasil.

Embora reconheça a importância do trabalho remoto durante o período de isolamento social, Germer acredita que o home office compromete os laços de confiança e o potencial de inovação das equipes.

Com sede em Porto Alegre e filial em São Paulo, a empresa investiu R$ 30 milhões em um novo escritório na capital gaúcha.

As novas instalações devem ficar prontas ainda em 2025, quando a maioria dos 96 funcionários voltará a dar expediente diário na sede.

“Desde o início da pandemia, sabíamos que voltaríamos ao presencial. A informação flui mais rápido, é mais fácil ir até a pessoa e conversar do que mandar uma mensagem. Somos uma empresa de tecnologia que atua em mercados muito dinâmicos. Para atingir os níveis de inovação que desejamos, precisamos sair da zona de conforto do home office”, defende Germer.

A opção pelo presencial tem justificativas válidas.

Mas vai na contramão das expectativas de boa parte da força de trabalho global.

De acordo com uma pesquisa realizada pela plataforma de benefícios Flash, em parceria com a FGV e o Grupo Talenses, o nível de satisfação entre profissionais que trabalham em regime remoto é de 69% ante 51% de equipes que precisam bater ponto fisicamente no escritório.

Outro levantamento divulgado no início do ano, pelo LinkedIn, aponta que vagas híbridas ou totalmente remotas são consideradas um diferencial de employer branding por 46% dos usuários em busca de oportunidades de emprego.

A britânica Lynda Gratton, autora do best-seller Redesigning Work e uma das maiores especialistas sobre futuro do trabalho, destacou recentemente, em artigo para o The New York Times, que os profissionais do futuro valorizarão cada vez mais formatos ligados à liberdade de escolha.

“A busca por autonomia e flexibilidade continuará a ser um fator central nas decisões profissionais. Quem não estiver alinhado a essa realidade precisará pagar a mais por isso. Haverá maior ênfase no trabalhador independente. À medida que mais pessoas buscam uma vida profissional autogerida, os freelancers qualificados aumentarão em número,” conclui Germer.

O panorama apresentado por Gratton é a conclusão lógica de um movimento chamado open talent.

Diferentemente da chamada gig economy, na qual trabalhadores oferecem serviços pontuais para demandas de baixo escopo estratégico, o open talent prevê a contratação do talento certo, para o trabalho certo, sem barreiras geográficas ou burocráticas.

A tendência vem sendo defendida por consultorias como a Deloitte, que define o conceito como o equivalente ao código aberto de software para o mercado de trabalho.

O anywhere office e o nomadismo digital estão diretamente ligados ao formato, que tem como diferencial a formação de culturas organizacionais pautadas pelas habilidades de suas equipes, independentemente do regime de trabalho ou do local escolhido.

Não se trata apenas de agradar a candidatos ou engajar colaboradores.

O gap de talentos especializados para atuar na nova economia, sobretudo nas indústrias de conhecimento e tecnologia intensiva, tem incentivado recrutadores a expandir seus radares para novas fronteiras e modelos de colaboração.

De acordo com a London School of Economics, o déficit de habilidades pode gerar prejuízos globais de até US$ 11,5 trilhões até 2028.

O impacto projetado para a economia brasileira é de US$ 781 bilhões.

Ao mesmo tempo, o país reúne mais de 1,5 milhão de profissionais qualificados para atuar na economia open talent, em setores que apresentam gaps históricos de qualificação, como comunicação, saúde, engenharia e desenvolvimento de software.

Sob a perspectiva dos profissionais, as vantagens de modelos mais flexíveis podem ser constatadas em rotinas como a de Luíza Strapasson de Souza, 30 anos, especialista em risco e compliance da Farmax.

Atualmente baseada em Nova York, a advogada alterna temporadas de três meses entre o trabalho remoto nos Estados Unidos e jornadas realizadas na sede da empresa, em Curitiba (PR), incluindo visitas esporádicas às fábricas da companhia em Divinópolis (MG) e Piracicaba (SP).

Além da flexibilidade e da liberdade de movimento, ela destaca o ganho de qualidade de vida como o maior benefício dos novos formatos.

“Trabalhar em home office para mim hoje é uma questão fundamental. Poder parar, almoçar em casa, fazer uma comida fresca e saudável me trouxe muita qualidade de vida, e não quero abrir mão disso”, afirma.

Relatos como esse vêm se tornando cada vez mais comuns na Farmax.

Atualmente, a companhia contabiliza cerca de 300 funcionários de áreas administrativas, de 21 estados diferentes, atuando integralmente no regime anywhere office.

“A sociedade se redesenhou, e as relações no escritório também. Hoje, eu tenho a possibilidade de buscar talentos em várias regiões. Não acredito em poucas mentes brilhantes se reunindo em um escritório centralizado dentro de uma empresa. Se eu for capaz de estabelecer relações de confiança na minha organização, todos vão ficar confiantes para gerar e compartilhar ideias,” afirma o CEO, Ronaldo Ribeiro.

No meio do caminho entre o anywhere office e o 100% presencial, algumas empresas vêm obtendo bons resultados com estruturas híbridas.

Na Cisco Brasil, por exemplo, o modelo vem sendo aplicado para um time de aproximadamente 400 funcionários, que se alternam entre jornadas remotas e encontros no escritório para reuniões mais profundas e decisões estratégicas de desenvolvimento de produtos.

“Não se trata apenas de inovação, mas de eficiência e produtividade. Nosso resultado financeiro é maior do que o registrado antes da pandemia”, afirma Ricardo Mucci, presidente da Cisco Brasil.

A adoção de regras claras tem se mostrado crucial para avaliar os benefícios de jornadas híbridas.

A estratégia vem sendo explorada por grupos como a Roche, que organizou as atividades de mais de mil funcionários entre três dias em casa e dois no escritório na capital paulista.

A escala segue um esquema rotativo, para que diferentes equipes possam se encontrar.

Há ainda um café da manhã mensal para fortalecer os laços entre todos os profissionais. Perfeito – Silânia Costa, enfermeira do Trabalho e diretora na empresa Mundiblue.

Alinhada a uma corrente de pensamento que vem ganhando força em diversas partes do mundo corporativo, Lorice Scalise, CEO da farmacêutica no Brasil, acredita que o ponto de equilíbrio está justamente na formação de uma cultura de experimentação, que leve em conta o alinhamento entre o espírito do tempo e a realidade de cada organização.

“É possível ter o melhor dos dois mundos: flexibilidade para os funcionários e oportunidades de colaboração presencial para fomentar a cultura organizacional. A combinação entre o presencial e o digital não deve ser encarada como barreira ou empecilho para a inovação, mas como uma evolução natural do mercado de trabalho”, conclui Scalise.

OS DOIS LADOS DO HÍBRIDO

Os principais benefícios e desafios de modelos de trabalho flexíveis, segundo os funcionários. Fonte: Gallup. Foto – Época NEGÓCIOS.

Fonte: Gallup — Foto: Época NEGÓCIOS

Fonte: Gallup — Foto: Época NEGÓCIOS

Fonte:

Fábio Filho, head de Treinamento e Certificação da Amazon Web Services (AWS), núcleo de serviços de nuvem da Amazon.

Marcelo Nóbrega, mentor e conselheiro de HRTechs.

Ralf Germer, CEO da PagBrasil.

Lynda Gratton, autora do best-seller Redesigning Work.

London School of Economics.

Luíza Strapasson de Souza – especialista em risco e compliance da Farmax.

Ricardo Mucci, presidente da Cisco Brasil.

CEO – Ronaldo Ribeiro.

Lorice Scalise, CEO da farmacêutica no Brasil.

Época Negócios – Futuro do Trabalho.

Mundiblue – Silânia Costa, enfermeira do trabalho/acrescentou.

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